domingo, 4 de abril de 2010

No país do desperdício


Meu pai foi alfabetizado sem cadernos, não tinha papel! A meia dúzia de meninos que com ele estudou, levava pra escola uma tabuinha de uns 40 x 30 cm., bem lixada, com um pequeno relevo de meio centímetro de altura servindo de moldura, colado nas extremidades e um pequeno bornal de couro contendo areia fina e muito limpa. A professora escrevia letras e algarismos no quadro negro e depois, calmamente, conferia o que cada aluno escrevera com um dedo indicador sobre a areia na tabuinha. Para apagar, era só jogar a tabuinha de um lado para o outro, com cuidado. Já o disse: não tinha papel. A memória de cada criança era seu caderno! Quando chegou minha vez, fui criado no interior, em Caraúbas, no velho Carirí, onde a vida era muito simples, em relação a tudo. Havia duas mercearias onde a gente comprava o que precisava. Lembro-me da habilidade com que os donos das vendas “embrulhavam” as mercadorias vendidas a peso: açúcar, café em grão, charque e coisas como sabão em barra, fumo etc., que se vendia por pedaço ou unidade e também eram embalados em “papel de embrulho”. Em casa meus pais ensinavam a desembrulhar as compras recuperando as embalagens: alisávamos com força cada folha de papel e acumulava-as debaixo do dicionário.

Quando tivesse 10/12 folhas, dobrava-as ao meio e, com uma agulha de costurar sacos, fazíamos dois furos bem na dobra e atravessávamos um barbante: estava pronto um “belo” caderno para rascunho e cálculos de aritmética. Uma economia racional! Os cadernos comprados eram para poesias, ditados e deveres. Aprendi a aproveitar ao máximo, os bens materiais. Para o gosto de hoje, seria um “sucateiro” incorrigível... Quem trabalhou comigo sabe: não sou bem assim. Este mergulho no passado tem cabimento no que diz respeito à formação das pessoas neste País que é um péssimo exemplo de desperdício. Fica a impressão de que somos todos uns estróinas desvairados que jamais receberam exemplos de bem utilizar o que recebem e de proteger o que lhes é confiado... Em relação ao patrimônio público então, agimos como perdulários desembestados, para dizer o mínimo. Na verdade, assistimos a um vergonhoso saque e usurpação dos bens e do dinheiro público, sem que haja aplicação justa e rápida das punições cabíveis. De tal maneira que parece não haver lugar para se destacar quem seja correto, patriota, honesto. Toda a evidência, na mídia, é para quem assalta, rouba, engana, comete fraudes, mente, desvia, etc. De bons exemplos não se tem notícia... por quê? Há mesmo um refinamento perverso: a gatunagem está sendo praticada por gente poderosa, influente: magistrados, policiais, políticos, etc., compondo uma tribo cafajeste, crescente, que parece oriunda do quinto dos infernos... É inaceitável a incapacidade de tomar conta, fiscalizar, do brasileiro em geral e de quem vive às custas do Poder Público, em particular. A meu ver por falta de educação. De educação doméstica. Ninguém tende para uma vida correta, se bons exemplos não tiver, dentro de casa. Isso para mim é dogma. Nossa formação familiar parece destroçada. Algo me diz que estamos à beira do caos. Alguém sabe quantas obras de engenharia (barragens, ferrovias, estradas, perfurações de solo, hospitais, pontes, usinas elétricas), escolas etc., estão inacabadas no Brasil? Alguém sabe quanto equipamento, (doado), hospitalar, computadores, escavadeiras, quadros de comando, transformadores, máquinas agrícolas, materiais para pesquisas, alimentos e até remédios estão, uns ficando obsoletos e corroídos pelo mofo e pela ferrugem, outros, vencidos, no País inteiro? Alguém sabe quantos carros e materiais respectivos, uns sem ninguém que controle, outros, desviados, em ações ilegais? Diariamente vemos o Jornal Nacional denunciar casos, inconcebíveis, de cidades brasileiras cujo policiamento não dispõe de um veículo, delegacias de polícia sem telefone ou, como vi aqui perto, na Zona da Mata, uma delegacia cujo telefone não pode ser utilizado para fazer ligação... só para receber!!! Há pouco tempo a televisão mostrou uma cidadezinha de Minas Gerais, cuja população se cotiza para pagar viatura e combustível da delegacia de polícia e, no entanto, toda aquela gente já paga imposto, para ter o quê? Este é nosso Brasil de hoje: descendo a rampa da falta de formação civil, carente de conserto, a partir de dentro da casa de cada um.
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Nota: publicado no Jornal do Commercio, Folha de Pernambuco e Jornal da Paraíba.


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